A natureza é surpreendente e tem seus mistérios. A famosa frase “na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma” é atribuída ao químico francês Antoine Lavoisier, conhecido como o pai da química moderna e ilustra fielmente esse aspecto. Nessa perspectiva, uma espécie de feto arbóreo – ou simplesmente – uma samambaia, reaproveita suas folhas mortas transformando-as em raízes novas, como mecanismo de sobrevivência diante do solo alagado e com poucos nutrientes da floresta Quebrada Chorro, no oeste do Panamá.

A pesquisa foi publicada na revista Ecology.

Descoberta “completamente acidental”

James Dalling, ecologista de florestas tropicais da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign disse que a descoberta “foi completamente acidental” em relação à samambaia.

Durante uma expedição em 2019, Dalling e seus colegas embarcaram em uma missão para investigar o processo de aquisição de nutrientes pelas raízes da conífera tropical Podocarpus.

Nesse ínterim, depararam-se com um espesso emaranhado de samambaias arbóreas da espécie Cyathea rojasiana. Diante desse cenário, os pesquisadores decidiram remover as folhas mortas das samambaias, e para sua surpresa, descobriram que estas estavam profundamente enraizadas no solo.

A descoberta levou Dalling e sua equipe a reconhecerem a importância de escavar o solo, uma ação que poderia ter sido negligenciada se não estivessem atentos à necessidade de investigar mais profundamente.

Mecanismo complexo e inteligente

Após a escavação minuciosa das folhas resistentes, foi revelado que nas extremidades de suas veias haviam brotado pequenas raízes. Esse achado se alinha com o conhecimento estabelecido de que as samambaias arbóreas da espécie Cyathea costumam manter uma camada de folhas mortas ao seu redor, possivelmente para afastar trepadeiras ou para isolar as plantas de temperaturas frias.

É interessante notar que, devido à altura relativamente baixa da Cyathea rojasiana em comparação com outras samambaias arbóreas, quando suas folhas morrem e caem, elas entram em contato direto com o solo, atuam como sondas e nutrem a planta sem que ela precise construir raízes do zero.

Feito exclusivo

As samambaias arbóreas Cyathea rojasiana parecem prosperar na floresta Quebrada Chorro, no Panamá, transformando suas folhas mortas em pequenas raízes que procuram bolsões de solo rico em nutrientes. Imagem: J. Dalling

Durante a pesquisa de campo, a equipe desenterrou algumas raízes folhosas e, posteriormente, em ambiente laboratorial, as transplantou para vasos contendo uma forma estável de nitrogênio denominada nitrogênio-15.

Análises posteriores das radículas revelaram que estas foram capazes de absorver o nutriente para dentro das plantas, evidenciando assim o papel funcional dessas estruturas como verdadeiras raízes, conforme relatado pelos pesquisadores.

Essa descoberta coloca em destaque a variedade de adaptações incomuns que outras plantas também realizam com suas folhas ou raízes. Por exemplo, a samambaia ambulante (Asplenium rhizophyllum), encontrada no leste dos Estados Unidos, é capaz de reproduzir novas plantas a partir das pontas de suas folhas.

Além disso, Dalling testemunhou raízes em ambientes da floresta Quebrada Chorro, como as das plantas arbustivas Clusia, que se entrelaçavam em outras plantas em uma espécie de simbiose.

No entanto, a C. rojasiana é a única planta conhecida no mundo por ressuscitar suas folhas mortas, transformando-as em raízes funcionais. Essa peculiaridade ressalta a diversidade e a complexidade dos mecanismos adaptativos das plantas na natureza.

Erin Sigel, botânica da Universidade de New Hampshire, em Durham, diz que “Nunca ouvi falar de nenhuma outra samambaia que fizesse isso, ou de qualquer outra planta terrestre.”

Ampliando a pesquisa

Dalling está planejando colaborar com um renomado anatomista de plantas, visando aprofundar sua compreensão sobre a estrutura das radículas. Seu objetivo é investigar minuciosamente essas estruturas em busca da presença de fungos micorrízicos, os quais desempenham um papel crucial na absorção de nutrientes pelas raízes de algumas plantas.

Expressando sua crescente curiosidade, ele pondera: “Será que realmente encontraremos fungos nessas radículas?”.