Ainda há discussões entre especialistas sobre se os Neandertais deveriam ser classificados como uma espécie separada ou apenas uma variação do Homo sapiens. Entretanto, por muito tempo, eles foram contidos em uma população geneticamente homogênea.
Essa visão, no entanto, está sendo desafiada pela descoberta de um esqueleto parcial de um Neandertal adulto na França. Exames genéticos realizados nesse fóssil revelaram evidências de uma linhagem neandertal que se desenvolveu de maneira isolada de outros neandertais europeus por aproximadamente 50 mil anos.
Nesse contexto, um estudo recente traz à tona uma nova teoria sobre a história evolutiva dos Neandertais, indicando que eles podem ter seguido ao menos dois caminhos evolutivos distintos antes de desaparecer, cerca de 40 mil anos atrás.
Complexa história evolutiva
A possibilidade de uma população de Neandertais isolada e de longa duração no sudoeste da Europa fortalece a teoria de que esses hominídeos possuíam uma história evolutiva própria, marcada por eventos complexos como migrações e extinções locais, de maneira semelhante à história de nossa própria espécie.
Carles Lalueza-Fox, paleogeneticista do Instituto de Biologia Evolutiva de Barcelona, afirma que “Muito provavelmente, os Neandertais enfrentam uma trajetória evolutiva rica e cheia de reviravoltas, assim como nós.”
A descoberta dessa linhagem de Neandertais foi realizada por uma equipe desenvolvida pelo arqueólogo Ludovic Slimak, da Université Toulouse III – Paul Sabatier, na França, em colaboração com o geneticista populacional Martin Sikora, da Universidade de Copenhague.
Eles apelidaram o fóssil encontrado de “Thorin”, em homenagem a um personagem da obra O Hobbit, de JRR Tolkien. Os restos de Thorin foram encontrados em 2015, na entrada do abrigo rochoso Grotte Mandrin, e as escavações no local continuam até hoje, buscando desvendar mais segredos sobre a vida dos Neandertais naquela região.
Thorin viveu durante uma era glacial
Diversas técnicas de dados aplicadas aos dentes de Thorin e aos restos de animais enterrados nas proximidades, bem como a posição dos restos de Thorin nos sedimentos de Grotte Mandrin, indicam que este Neandertal viveu entre 50.000 e 42.000 anos atrás.
A partir de um molar, foram recuperados segmentos moleculares que representam cerca de 65% do genoma de Thorin, conforme explicação de Martin Sikora. Esse DNA foi então comparado com o DNA extraído de outros Neandertais, de antigos Homo sapiens e de pessoas modernas.
Uma análise das variantes genéticas no DNA de Thorin mostra uma maior semelhança com a estrutura genética dos Neandertais que viveram há aproximadamente 105.000 anos, em comparação com aqueles que viveram entre 50.000 e 40.000 anos atrás.
No entanto, os estudos de dados por carbono e a análise de elementos químicos associados à dieta encontrados nos ossos e dentes de Thorin sugerem que ele viveu durante um período glacial, que só começou a se desenvolver na Europa há cerca de 50.000 anos.
O paleogeneticista Cosimo Posth da Universidade de Tübingen na Alemanha, diz que “Se Thorin realmente tem 50.000 anos, esta seria uma descoberta surpreendente mostrando uma forte estrutura genética em Neandertais tardios.”
Questões ainda indefinidas
Há evidências que sugerem que Homo sapiens e Neandertais podem ter alternado a ocupação da Grotte Mandrin em vários momentos, durante um período que se estende de aproximadamente 56.800 a 40.000 anos atrás. Contudo, o DNA de Thorin não apresenta promessas de ter genes adquiridos por meio de cruzamentos com Neandertais externos à sua própria linhagem, nem com o Homo sapiens.
Além disso, Thorin herdou de seus pais uma quantidade anormalmente alta de segmentos de DNA com pares consecutivos de variantes genéticas idênticas. Esse tipo de variação genética reduzida, que também foi identificado em Neandertais siberianos, sugere que Thorin e seus parentes próximos foram resultado de acasalamentos entre indivíduos muito próximos geneticamente.
Com base nessas evidências genéticas, os pesquisadores propõem que Thorin fez parte de uma linhagem de Neandertais que se separou de outras populações neandertais europeias há cerca de 105.000 anos. Mas as razões pelas quais esses grupos antigos evitaram acasalar com outros Neandertais na região, possivelmente devido a diferenças linguísticas ou culturais, ainda não são totalmente compreendidas.