A aranha viúva-negra é uma das aranhas mais venenosas do mundo. Estima-se que o seu veneno seja 15 vezes mais potente do que o veneno de uma cobra cascavel. Ainda que as mortes humanas após uma picada de viúva-negra sejam extremamente raras, é evidente que logo depois de ser picado por um animal peçonhento, a situação configura-se como uma emergência médica.

Nesse contexto, os anticorpos humanos têm o potencial de revolucionar o tratamento das picadas de aranha, oferecendo uma alternativa inovadora que pode diminuir a dependência dos tradicionais antivenenos derivados de cavalos, conforme demonstra um estudo recente publicado na revista Frontiers in Immunology.

Assim, a abordagem terapêutica pode não apenas melhorar a eficácia dos tratamentos, mas também reduzir os riscos associados ao uso de antivenenos tradicionais, proporcionando um avanço significativo na medicina de emergência e no manejo de envenenamentos, sobretudo em lugares onde a incidência dessas aranhas é maior.

Viúva-negra europeia

A aranha Latrodectus tredecimguttatus, comumente conhecida como viúva-negra europeia, é nativa da região mediterrânea da Europa. No entanto, devido às mudanças climáticas, essas aranhas estão expandindo seu território para novas áreas.

Não é novidade que o veneno da aranha viúva-negra europeia representa uma séria ameaça à saúde humana, provocando sintomas graves e debilitantes em pessoas picadas por ela. Este veneno pode desencadear complicações severas no sistema nervoso, tornando seu tratamento um desafio médico significativo.

Recentemente, pela primeira vez na história, cientistas conseguiram desenvolver anticorpos humanos capazes de neutralizar eficazmente o veneno das aranhas viúvas-negras europeias.

Até agora, o único tratamento disponível para as picadas de aranha envolvia o uso de antivenenos produzidos a partir de anticorpos gerados em cavalos. Embora eficazes, esses antivenenos frequentemente resultavam em efeitos colaterais indesejáveis, incluindo reações alérgicas e outras complicações.

A busca por soluções alternativas se intensificou devido a esses problemas, levando pesquisadores a explorar novas possibilidades. O desenvolvimento de anticorpos humanos específicos para o veneno da viúva-negra europeia é um passo significativo nessa direção.

Desse modo, os novos anticorpos não só prometem ser mais seguros, reduzindo os riscos de efeitos adversos, mas também podem oferecer um tratamento mais eficiente e direcionado, melhorando significativamente o prognóstico.

Anticorpos humanos

Reconhecendo a necessidade de identificar novos tratamentos para picada da viúva-negra europeia, uma equipe de pesquisadores liderada pelo professor Michael Hust, biólogo da Universidade Técnica de Braunschweig, na Alemanha, se dedicou a encontrar alternativas aos soros de cavalo tradicionais. A equipe concentrou seus esforços no desenvolvimento de “anticorpos humanos recombinantes”.

Hust detalhou o processo de seleção dos anticorpos. Utilizando uma tecnologia inovadora chamada exibição de fagos de anticorpos, os pesquisadores examinaram bilhões de anticorpos para identificar aqueles que poderiam se ligar eficazmente à toxina do veneno da aranha.

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“Selecionamos os anticorpos humanos de nossas bibliotecas de genes de anticorpos humanos ingênuos HAL9/10 por meio da exibição em fagos. A exibição de fagos é uma tecnologia in vitro utilizada para gerar anticorpos”, explicou Hust. Este método permite uma análise detalhada e precisa, possibilitando a identificação dos anticorpos mais promissores para neutralizar o veneno.

“Como o antiveneno [derivado de cavalo] não é de origem humana, ele pode causar uma reação imunológica como a doença do soro (uma reação de hipersensibilidade ocorre após alguns dias) ou também um choque anafilático (uma reação após alguns minutos) que também resultou em casos fatais no passado”, comenta o professor.

Produto final

De acordo com um comunicado de imprensa, vários dos anticorpos candidatos mostraram resultados promissores em testes laboratoriais. Entre eles, um anticorpo específico, denominado MRU44-4-A1, destacou-se devido à sua excepcional capacidade de neutralizar o veneno da viúva-negra europeia.

Hust diz que “Antes de avançar para os ensaios clínicos, é necessário demonstrar a eficácia do anticorpo em um modelo animal […] Posteriormente, os anticorpos devem ser submetidos a estudos de toxicidade e farmacocinética em animais, além de verificações de reatividade cruzada com tecidos humanos.”

Este processo culminará na formulação do medicamento como um produto final. Segundo Hust, o principal desafio não reside no desenvolvimento de novos candidatos a medicamentos, mas sim no financiamento dos ensaios clínicos.